A Femme Fatale como aspecto da grande Mãe
- Clara Maria
- 1 de mai.
- 4 min de leitura
Eu demorei um tempo a entender... até que tudo fez sentido. Todos os meus estudos sobre a lua negra me levaram a essa compreensão: do símbolo da Femme Fatale como aspecto integral da deusa. Eu não decidi por esse nome no meu trabalho e nem nunca tive intenção própria de trabalhar com a simbologia da Femme Fatale, simplesmente foi esse o nome que me veio assim que comecei a criar o meu programa. Na hora eu não entendi, porque o estereótipo que a gente tem de "Femme Fatale" geralmente é negativo ou forçado e fantasioso, no sentido de muitas vezes incorporar um ideal fetichista e performático sobre a sexualidade feminina - coisas que estão extremamente longe da minha concepção sobre a verdadeira natureza erótica da mulher. Eu sabia que o conteúdo que estava trazendo também ia na contramão desse estereótipo comum, porque minha intenção é ajudar as mulheres a se conectar com o poder real da "deusa" - que é espontâneo, honesto, cru e inocente - ainda que completamente incontrolável e indomável. Até que, poucos dias depois de ter começado a gravar a jornada com esse nome, eu encontrei um livro que trazia uma concepção diferente sobre a energia da Femme Fatale, inclusive através da explicação da própria etimologia dessas palavras (essa história eu conto no meu vídeo do youtube). Fatale = do latim fatum = destino. Fêmea do destino. Porque aquilo que está destinado a ser mata o nosso ego. Por ISSO que as mulheres portadoras dessa energia são retratadas com esse ar de perigo, mistério e dominação sobre os homens... não apenas por uma fetichização coletiva de tudo que diz respeito ao poder sexual da mulher, mas também porque, em última instância, é isso que ela É - o perigo, o mistério, a dominação sobre o "homem" - na verdade é a dominação sobre o ego. Seu chamado é irresistível porque essa morte é o nosso destino inescapável. Não só a morte literal do corpo, mas as inúmeras mortes que passamos em vida. Nós tememos isso com todas as nossas forças. Tememos essa face do feminino com todas as forças. E porque essa é uma face do feminino? Porque o feminino é a expressão inconstante do cosmos. É o caos. A impermanência. O masculino é a luz constante - a vida eterna que não se modifica, apenas observa. Nós tememos a morte, seja ela física ou psicológica, porque tememos a inconstância e o desapego compulsório que ela trás. Nós não queremos mudar. Mas ela vai nos obrigar. Esse encontro com a Femme Fatale, a lua negra psicológica do feminino, não é exclusivo para os homens como imaginamos em cenas de filme - um rapaz que encontra uma mulher sedutora e descontrolada que arruína sua vida. Percebe como isso é arquetípico? Isso nem sempre é literal, é apenas uma representação simbólica do que acontece na nossa psique através do encontro com essa energia - um chamado irresistível e incontrolável que destrói o que conhecemos como confortável. E que pode SIM vir para um homem através de uma mulher, mas essa não é a única maneira. A Femme Fatale aparece também para as mulheres, geralmente através delas mesmas e do seu caos interior. Foi assim que ela apareceu pra mim. Ela vem vestida de fantasia. Vestida de tudo que nós gostaríamos de ser e não conseguimos. Vestida de tudo de mal e tudo de bom. Vestida de distorção e mentira. Ela é a única que consegue vestir essas roupas porque é a única capaz de sustentar o peso do espelho. Ela não é as roupas que veste - ela é a verdade nua por detrás. A Femme Fatale como lua negra psicológica é o grande espelho negro daquilo que não queremos olhar. E o que não queremos olhar, em última instância, é o que nos separa de Deus. A Femme Fatale como força universal não tem medo da morte porque ela sabe o que existe depois. Ela não tem medo de matar porque ela sabe o que vem a seguir. Ela sabe que depois da morte só pode existir vida. Nada realmente acaba. Sempre haverá a continuação, eterna e constante. E é em prol disso que ela trabalha. Ela tem uma imagem altamente sexual porque é através da sexualidade que nascemos e morremos - da fertilidade da terra viemos, e pro solo fértil da terra voltaremos. Também morremos infinitas vezes através de envolvimentos sexuais, sejam eles negativos ou positivos - haverá morte, de uma forma ou de outra. Existe um aspecto específico da força erótica que nos domina completamente, independente do nível de consciência da pessoa, esse aspecto se apresenta de forma adequada pra cada um. Para aqueles pouco conscientes, esse aspecto se manifesta de forma destrutiva como uma forma do próprio inconsciente buscando por despertar, através da repetição de padrões tóxicos, relacionamentos destrutivos, traumas sexuais e feridas psicológicas. Para aqueles mais conscientes, esse aspecto se manifesta na forma de redenção absoluta ao amor - confiança incondicional, limpeza de todas as fachadas do ego, paixão pela vida sem motivo específico e despertar espiritual através de um relacionamento. E não se engane, esses aspectos positivos também são uma morte. Morte do seu passado, morte das suas mágoas, morte da sua personalidade, morte das suas pretensões e arrogâncias, morte dos seus medos... De uma forma ou de outra a morte acontecerá e o seu chamado é irresistível porque, no fundo, é o que queremos. Queremos a morte. Queremos a destruição. Queremos que o fogo queime tudo que não é verdade até que reste apenas a Criação. Ao menos queremos a nível de alma. A nível de ego, tememos. Mas se aprendermos a dar as mãos para ela, a dor se transformará. Ela vem da Grande Mãe afinal, e a mãe cuida. Nós somos como crianças atormentadas querendo fugir das próprias correntes, e quando a mãe chega mostrando as feridas no espelho, culpamos á ela. Mas ela nunca foi nada disso. Nem as feridas nem as correntes. Assim como uma mãe humana não deveria ter dó da criança que está aprendendo a andar e cai, a Grande Mãe psicológica e universal também não tem dó - ela sabe que conseguimos, mesmo que caindo um pouquinho. Ela vai observar. Ela está bem ali. E como crianças choramos chamando a mamãe. E parece que ela não vêm... Entramos em pânico porque ela não parece estar lá! Mas ela está... está apenas á alguns passos nos observando aprender a andar. Se ela "ajudasse" demais nós nunca aprenderíamos. E isso é a forma mais absoluta de amor.
Commentaires